terça-feira, junho 02, 2015

Movimentos que criam monstros


Todos os dias, vertentes extremas de movimentos sociais produzem uma nova safra de ativistas delirantes. Talvez você não saiba disso porque está muito ocupado existindo para além deste mundo bizarro. Talvez não saiba disso porque não frequenta a deep web desses movimentos sociais, que ocorre na tradicional e superficial teia eletrônica. Não é que eu queira alarmar alguém, mas preciso contar o que vi em minhas andanças por ruas escuras, quando era noite, chovia e um novo universo se mostrou para mim acontecendo dentro de bocas de lobo e em becos nunca antes desbravados. Sei que sobrevivi. Mas minha mente ficou com marcas indeléveis.

Os criadores do site de downloads gratuitos The Pirate Bay costumavam chamar suas vidas fora do computador de “away from keyboard”, em tradução livre: “longe do teclado”. Um dos responsáveis pela expressão explicou, no documentário sobre o site, que eles não faziam essa diferenciação entre vida real e vida virtual porque a vida virtual era muito real. Acho que é uma das definições que mais me marcaram nas últimas experiências com leitura de mundo. Atualmente, a maioria das pessoas está conectada. No tempo livre, estamos mais conectados do que desconectados. Logo, quando interagimos com alguém “virtual”, não estamos socializando com um ser que adquiriu uma segunda vida, como no jogo, mas com alguém que existe e usa a internet apenas como uma extensão de si mesmo, nem que seja da parte mais cruel dos seus arquivos pessoais. Às vezes caminho pela rua e vejo pessoas aparentemente dóceis. Sempre me pergunto se aquilo não é apenas um disfarce e elas não são, quem sabe, responsáveis pelos perfis mais horrorosos que comemoram na sessão de comentários de jornais, revistas e blogs quando moças são estupradas por usarem vestidos curtos, quando mulheres têm suas fotos íntimas vazadas por ex-namorados, quando homens são assassinados por suas parceiras, quando brancos são mortos por negros. Essas pessoas não são virtuais. Elas são absolutamente reais. E estão destruindo a civilização ao perpetuarem barbárie em nome da liberdade de expressão ou sob o eufemismo de “justiça social” na internet. Não vou me ater àqueles que dizem que uma mulher estuprada mereceu o que teve se tinha comportamento lascivo. Esse caso já está bem fichado. O que agora me oprime os miolos são os moralistas que defendem revanche contra sujeitos que foram rapidamente classificados como opressores ou descendentes dos opressores do passado. Moralistas que estão se reproduzindo no que chamam de “espaços seguros” da internet, que nada mais são, em boa parte dos casos, do que lugares onde pessoas que se consideram oprimidas estão tramando discursos de ódio para destruir “opressores”. Se você não conhece o tipo, logo vai conhecer. Para apressar as coisas, no final vou indicar uma boa página para que já se tome conhecimento antecipado da proporção que isso está ganhando bem perto do teclado, ou seja, na vida real que diz respeito a todos nós.

A alienação às vezes nos traz calma. Se não sei que sou objeto de ódio e que há uma torcida oculta aguardando eu ser prejudicada para então debochar da minha queda, posso viver tranquilamente, ignorando o mal. Já quando sei exatamente quem são meus “inimigos”, vivo tensa, à espreita e à espera de que o pior aconteça a qualquer instante em qualquer lugar sem qualquer pretexto plausível. Antes de conhecer o buraco negro dos movimentos sociais na internet eu não sabia que eu estava proibida de falar sobre racismo por ser branca e que sou odiada por alguns negros porque eles supõem que os meus antepassados brancos foram genocidas. Eu também não sabia que eu não podia usar apetrechos “culturalmente negros”, como o turbante, por ser branca, mesmo que minha mãe, negra (sou branca porque, olá, para se gerar um filho é preciso misturar dois DNAs, e logo se pode deduzir que tenho essa cor por causa do meu pai, branco), talvez tenha passado para mim, sua filha, a cultura negra que ela não se importaria de passar para sua prole. Com pai branco e mãe negra, sou filha única. Se tivesse uma irmã negra, os criadores de regras para negros e não-negros do movimento negro da internet diriam que ela poderia usar turbante, mas eu, não. Mesmo que tivéssemos a mesma mãe negra. Eu também não sabia que por ser branca e funcionária pública sou corresponsável pela pobreza e pelo fato de alguns homens pobres cometerem crimes como furto, assalto, latrocínio, tortura. Tive uma infância pobre, mas isso não importa: o que importa é que hoje sou “elite” porque sou branca e viajo para o exterior e, por isso, tenho, de alguma forma, culpa pelos presídios lotados. Outra coisa que eu não sabia é que as mulheres precisam se unir em sororidade para derrubar aquele que é culpado por todos os seus problemas: o homem. Não posso criticar mulheres. Qualquer erro que uma mulher cometa é culpa de algum homem ou do espírito machista que paira em todas as cidades e hipnotiza mulheres inocentes sem controle sobre suas próprias ações a reproduzir o que sua entidade criadora – O Homem – quer que elas façam. Preciso desconfiar do meu pai, do meu namorado, dos meus amigos homens: estão todos apenas tentando exercer domínio sobre mim e querem “me levar de volta para o fogão”, como dizem algumas feministas (ou femistas?) que veem o que ninguém mais vê. O homem que precisa ser rechaçado não é somente o tipo que lê o blog Testosterona. Precisa ser rechaçado também o homem que respeita sua mãe, sua esposa, suas amigas, mas resolveu dizer à mulher com quem vive há anos que o cabelo dela fica mais bonito quando cortado na altura do ombro. Uma mulher pode dizer a seu namorado que ele fica melhor com ou sem barba. Mas um homem que diz à sua namorada que ela fica melhor sem usar sombra verde nos olhos é um opressor machista culpado pelo estupro diário de mulheres em todo o mundo. Parece que estou exagerando para causar impacto. Não estou. É exatamente esse o tipo de conversa que está borbulhando nos “espaços seguros” dos movimentos sociais na internet.

O problema são os movimentos? Depende. Como eu já disse em outra ocasião, há inúmeras mulheres defendendo coisas absurdamente diferentes, mas que se intitulam “feministas”. O que acontece hoje é que eu, que me denomino feminista porque acho que homens e mulheres precisam ter igualdade de oportunidades (liberdade para agir além daquilo que a cartilha conservadora ditou como o certo para cada gênero), sou comparada, por pessoas sem conhecimento de causa (nem sempre as culpo), com a mulher que responde por uma página de ódio aos homens e também se intitula feminista. O correto seria ela se chamar “femista” ou “misândrica”. Mas ela quer se chamar de feminista e não há quem vai fazê-la mudar de ideia. Há, portanto, vertentes esquizofrênicas dentro dos movimentos que criam essa confusão na hora de saber quem é quem. A onda ultrapassou tantos limites racionais que agora foi preciso criar uma página chamada “Feminismo sem misandria” para separar feministas de femistas, sendo que as femistas é que deveriam parar de chamar aquilo que fazem de feminismo. Isso é a mesma coisa que eu criar um grupo de mulheres loiras, mulheres de cabelo preto aderirem ao grupo, berrarem que são loiras e depois eu ter que me afastar criando um novo grupo chamado “loiras que não têm cabelo preto”. Feminismo com misandria não é feminismo: é femismo.

Juntando todos os urros da ala doente dos movimentos sociais, chega-se ao denominador comum de que o responsável por todos os males da sociedade é o homem branco heterossexual que vive razoavelmente acima da linha da miséria. Mulheres são vítimas vitalícias, bem como negros, homossexuais e pobres. São pessoas das quais não se pode cobrar discernimento, porque a opressão social as massacra tão gravemente que isso as impede de julgar situações e decidir os rumos da própria jornada. Esses dias uma femista disse que os homens brancos são os reais culpados pelos animais que morrem em abatedouros. Ela queria dizer que não se pode cobrar de uma mulher ou de um negro parte da carga de culpa que se tem com o holocausto animal, porque se eles, mulher e negro, comem carne e bebem leite de vacas estupradas, isso é mera reprodução inconsciente de um mal que começou com o homem branco. O que é interessantíssimo, já que negros africanos se alimentavam de animais muito antes do contato com europeus. Quando o vitimismo age para centrar os holofotes numa suposta perene vítima, está apenas mostrando, àqueles que enxergam bem, que se considera que essas pessoas são extremamente estúpidas, tão estúpidas a ponto de não poderem fazer escolhas. Você me dizer que as pobres mulheres tomam leite por culpa do homem branco e que se eu quiser preservar a vida das vacas eu devo combater o homem branco e não toda a sociedade que bebe leite, parecerá, a mim, que você está chamando mulheres de fantoches. As coisas boas do mundo devem ser louvadas por causa das mulheres, as coisas ruins devem ser execradas porque são obra dos homens. Esses movimentos sociais não estão se tornando muito megalomaníacos e interesseiros? Um aviso importante: paranoia, delírio de grandeza e megalomania são transtornos psicológicos, e não características inseparáveis àqueles que querem justiça.

Segue um breve apanhado (não literal, escrevo com as minhas palavras, mas as ideias e expressões foram todas preservadas) de delírios paranoides tirados da internet. Não pensem que são casos excepcionais defendidos por um ou outro doente. Muitas dessas ideias foram “curtidas” por centenas de pessoas. Páginas que disseminam essas mesmas ideias são “curtidas” por milhares de pessoas. E também não suspeitem que esse tipo de pensamento não vai crescer – já está crescendo. Se o delírio coletivo pôde atingir os milhares de pessoas que seguem Edir Macedo, por que não poderia existir uma onda que leva dentro dos movimentos sociais? Fartas experiências históricas nos mostram que condutas de ódio podem ganhar força mesmo entre grupos aparentemente sadios.

1. Todo homem é um estuprador em potencial. Ou seja, todo homem é responsável pelo estupro diário de mulheres.
2. “A coisa tá preta” é uma expressão racista.
3. Mulheres que engravidam de meninos deveriam se recusar a amamentar esses bebês, pois é do berço que devemos tirar o poder dos homens.
4. Todo branco é um genocida em potencial. Ter orgulho da pele branca é ter orgulho de ascendentes genocidas.
5. Todo branco é nazista.
6. Um heterossexual jamais deve falar sobre homossexualidade para um homossexual. Um heterossexual deve se restringir a ouvir o que o homossexual tem a dizer.
7. Se uma mulher diz que foi machismo, foi. Não interessa o que houve. Se ela sentiu machismo, basta a palavra dela, pois só mulheres sabem reconhecer machismo.
8. Se um negro diz que foi racismo, foi. Não interessa o que houve. Se ele sentiu racismo, basta a palavra dele, pois só negros sabem reconhecer racismo.
9. Todo branco é racista.
10. Homens brancos heterossexuais dentro de movimentos sociais só servem para carregar bandeira, financiar causas, realizar serviços. Não têm que opinar. Têm que trabalhar e dar dinheiro.
11. Negros que namoram brancos estão traindo o movimento negro.
12. Negros que namoram brancos sofrem de Síndrome de Estocolmo, pois estão apaixonados pelo opressor.
13. Todo homem é um agressor.
14. Se quiser abortar seu bebê porque descobriu que ele é do sexo masculino, ótimo. O mundo precisa de mais mulheres, e de mulheres empoderadas.
15. Uma mulher que acata, após argumentação, a opinião de um homem precisa se empoderar.
16. Gostos sexuais de heterossexuais são todos pautados em construções sociais. As únicas pessoas que podem dizer que “nasceram assim” são os gays.
17. Estudos sobre a história do negro, estudos sobre movimentos sociais, estudos sobre algum assunto que desmorone o que um oprimido (mulher, pobre, negro, homossexual) está falando são prova de academicismo. Vivência é superior a estudo. Estudo, nesse caso, é academicismo de opressor.
19. Alimentar os filhos com alimentos saudáveis e orgânicos e divulgar essa ideia é atitude de gente gordofóbica e privilegiada. Não se deve dizer para as mães alimentarem melhor seus filhos, porque mulheres pobres não têm condições, neste planeta opressivo, de não oferecer a seus filhos comidas que não sejam industrializadas, cheias de gordura e açúcar.
20. Se se vai criticar alguém que come animais, é preciso criticar homens brancos ricos. Não se deve criticar o trabalhador pobre que chega a casa no final do dia e cozinha macarrão com salsicha.
21. Pessoas negras de religiões africanas que sacrificam animais devem ter o direito de sacrificar animais. Querer impedi-las disso é racismo. Por que não se proíbe o homem branco de comer foie gras?
22. Sacrificar animais em religiões negras é cultura. Não se pode querer abolir isso enquanto abatedouros não forem abolidos, pois essa discussão é hipócrita. Não, touradas não são cultura. Touradas são atitudes estúpidas de espanhóis brancos privilegiados.
23. O rapper Emicida foi fotografado recebendo um beijo no rosto de uma mulher branca. Ele morreu como voz no movimento negro depois dessa traição.
24. Mulheres deveriam se relacionar apenas com mulheres. Mulheres que se relacionam com homens são suspeitas ou ingênuas. Todo homem quer dominar uma mulher. E toda mulher que aceita essa dominação sofre de Síndrome de Estocolmo.
25. Verificar a legitimidade de uma nota de cinquenta reais de um negro é racismo.
26. Não dar bom dia a um negro é racismo.
27. Discordar de um negro é racismo.
28. Mulher que vota em candidatos do sexo masculino está perpetuando machismo.
29. Fazer feijoada na versão vegana é um desrespeito à cultura negra. A verdadeira feijoada tem restos de animais. E foram os negros que inventaram a feijoada.
30. Pratos tipicamente de culturas africanas não podem ter a receita alterada, pois isso seria apropriação cultural. Se um prato africano leva somente três ingredientes e você, branco, quiser fazer e acrescentar um quarto, isso é desrespeito. E apropriação cultural indevida.
31. Mulheres bissexuais usam lésbicas somente para se divertir. E quem não for lésbica não pode nem começar a tentar contestar essa informação.
32. Um homem que luta pela causa das minorias, mas não namora uma mulher gorda, uma mulher negra ou um transsexual é abominavelmente hipócrita e só adere à causa das minorias para roubar protagonismo.
33. Sempre que um negro disser uma coisa e um branco discordar, eis a prova de que o negro estava certo: o fato de um branco discordar.
34. Debater com um negro e se opor a alguma ideia que ele apresenta é deixá-lo inseguro e tacitamente querer rebaixá-lo à condição de escravo. Não se “silencia” um negro.
35. Homens que não querem fazer sexo oral em suas parceiras quando elas estão menstruadas são machistas.
36. Um assovio na rua deveria ser considerado estupro.
37. Mulheres são estupradas e mutiladas todos os dias das mais diversas formas, mesmo que não percebam.
38. Se um homem na universidade fez uma mísera coisa que você considerou machismo, vá e coloque o nome dele na porta do banheiro feminino, escreva ao lado o curso que ele faz e incentive suas amigas a nutrirem essa “lista de machistas”.
39. Se uma mulher quiser dizer que um flerte bobo é assédio, ela deve ter o direito de fazer isso e de denunciar o agressor.
40. Homossexuais mulheres são boas. Homossexuais homens são só machistas com uma nova roupagem.
41. É louvável que uma mulher ameace cortar o pênis de um homem que está discutindo com ela.
42. Somente pessoas “de esquerda” podem ser veganas. Pessoas “de direita” sendo veganas estão caindo em contradição, porque a exploração animal é culpa do capitalismo e do livre mercado.
43. Um homem que se declara feminista está roubando protagonismo.
44. Uma pessoa branca que fica conhecida por sua luta pelos negros está apenas roubando protagonismo. Negros não precisam que brancos os defendam.
45. Se você não foi estuprada, não pode opinar sobre estupro.
46. É errado um homem se masturbar imaginando uma mulher que não deu autorização para ele pensar nela.
47. Hitler é avô de todas as pessoas brancas de hoje.
48. Gordos saudáveis não são exceção. São regra. Quem discorda dessa tese é gordofóbico.
49. Veganismo é elitista. Pobres não têm acesso a comidas sem origem animal.
50. O patriarcado é branco.
51. Se um negro explora outro, é porque ele aprendeu a explorar com homens brancos.
52. Se uma mulher é heterossexual, é porque a sociedade a ensinou a ser assim.
53. Homens brancos ricos não podem reclamar de homens negros pobres que assaltam, sequestram, torturam e matam pessoas. Se esses homens negros pobres fazem isso, a culpa é do homem branco rico. Portanto, ou ele revê seus privilégios, ou se cala.
54. Se uma mulher faz sexo consentido com um homem e depois se arrepende, ela tem o direito de alegar que foi estupro. O machismo age por vias escondidas e às vezes é só mais tarde que se percebe que se foi vítima dele.
55. Pokemon é um desenho homofóbico, pois personagens machos só se interessam por personagens fêmeas.
56. Quando um homem diz para uma mulher fazer uma coisa, ela deve fazer o contrário.
57. O negro não sabe o que é viver um dia sequer sem ser vítima de racismo.
58. Homens devem ser coagidos a urinar sentados. Se mulheres não podem urinar em pé, urinar em pé é sintoma de uma sociedade machista.
59. Homens que possuem bandas e vão para o palco sem camisa têm que ser humilhados e obrigados a se vestir. Se uma mulher não pode fazer shows sem camisa, homens também não podem.
60. Uma mulher bebe um pouco. Um homem pergunta se ele pode beijá-la e depois pergunta se eles podem fazer sexo. A mulher diz sim. Mas isso não significa que ela consentiu. Ou seja, temos aí um grave caso de estupro, se ela achar que foi.
61. Se um homem se veste de mulher só para brincar, isto é machismo.
62. Um homem branco que se pinta para fazer um personagem negro está sendo racista.
63. Pessoas brancas não têm cultura.

Acho que eu poderia chegar a mais de mil falas diferentes, nesses termos, vindas de pessoas envolvidas com movimentos sociais. Mas paro por aqui. Sessenta e três itens já deve ser suficiente para enojar algum leitor razoável que não tolere discurso de ódio, não interessa de onde ele venha. Alguns dentro desses movimentos pregam a igualdade. E alguns, que estão vencendo debates no berro, pregam segregação e ódio. Repito: isso não é raro – e está aumentando. Se você é um dos “privilegiados”, cuide para não ser odiado, surrado e morto como “mera justa reação do oprimido”.

PARA VER MAIS (e tentando ver o lado "humorado" dessa esquizofrenia)
Ambas excelentes.